O Absurdo dos Cargos & Salários

Ainda como uma consequência do sistema feudal gerado pela divisão do trabalho, surgem os cargos, algo que felizmente está caindo em desuso, pois cresce a cada dia o número de empresas que adota a organização por processos, decomposta por sua vez em funções.

Vejamos agora por que o sistema de cargos não funciona.

Quando se cria um cargo é para que ele seja preenchido por alguém. O processo de preenchimento ocorre a partir de uma descrição do cargo e de uma seleção da pessoa adequa¬da para ocupá-lo. A descrição do cargo é algo muito trabalhoso e sempre apresenta deficiências. Não é fácil construir uma espécie de moldura dentro da qual deverá caber a pessoa que irá ocupar o cargo. Digamos, porém, que se consiga descrever adequadamente um cargo.

A seleção da pessoa com as características exigidas pelo cargo é algo que contraria tudo o que se conhece hoje com relação ao ser e estar das pessoas.

A física nuclear nos ensina que uma partícula atômica pode se assumir como uma onda, dependendo da observação que se faz dela:

Isto mostra que o ato de observar, de avaliar, de medir, de reconhecer interfere no que é a partícula, a tal ponto que ela pode apresentar uma variação que abrange um espectro máximo de transformação.

Veja bem: se uma partícula, uma singela partícula, pode se transfigurar numa onda, como se pode pretender que uma pessoa seja algo. Todos nós estamos, e não somos algo. Estamos interessados, estamos competentes, estamos participativos, estamos honestos, estamos inteligentes, tudo dependendo das circunstâncias a que estamos condicionados.

Se ninguém é, e todo mundo está, como se pode pretender selecionar uma pessoa para um cargo, principalmente por se fazer esta seleção mediante observação desta pessoa, o que, por si só, já modifica o seu estado de ser?

Sendo impossível definir como é uma pessoa, como se pode preencher um cargo?

Só para argumentar, admitamos que se consiga selecionar uma pessoa perfeitamente ajustada ao cargo descrito. Este ajuste durará muito pouco. Na verdade, se for uma empresa sadia, este ajuste não deverá durar nada, pois o dinamismo que caracteriza as organizações vivas fará com que tanto as características do cargo quanto a pessoa se modifiquem.

A figura mostra o que descrevemos e dispensa comentários. Conclusão: numa empresa dinâmica o sistema de cargos não funciona. Aliás, na verdade ele não somente não funciona como é prejudicial. Vejamos por quê.

Uma empresa que trabalha com cargos adota uma estrutura que gera problemas em termos de carreira profissional.

Imaginemos uma pessoa que está se desenvolvendo bem na empresa, está crescendo profissionalmente, e encontra uma barreira para seu progresso funcional.

Esta barreira se chama "cargo ocupado", e ocupado por uma pessoa jovem e competente que nem pensa em se aposentar.

Qual a solução, já que pela estrutura da empresa o progresso funcional se dá mediante a ocupação de cargos mais importantes?

Livros e livros já foram escritos sobre isso. As soluções mais preconizadas são as seguintes:

•  a) empurrar o chefe adiante, de tal forma que se aproveite o vácuo gerado pela sua ascensão até que ele atinja seu nível de incompetência e seja substituído;
• b) saltar sobre o chefe, acrobacia que geralmente tem um preço muito alto, pois o novo chefe imediato, sabendo de tal proeza, se coloca na defensiva e procura bloquear um salto sobre ele;
• c) entrar num desvio funcional, passando para outro setor que apresente melhores perspectivas de acesso a níveis mais altos.

Esta alternativa pode funcionar, mas é um desperdício de capacidade, pois estaremos indo numa direção diferente da que vínhamos seguindo exitosamente.

Você pode escolher qualquer uma destas alternativas ou, mesmo, criar outras, mas estará solucionando um problema que não precisa existir, bastando que se suprima o sistema de cargos.

As empresas modernas asseguram a todos uma raia própria pela qual as pessoas podem seguir, sem obstáculos representados por cargos ocupados.

A diferença fundamental entre cargo e função é que os cargos são limitados, e somente uma pessoa ocupa um cargo, enquanto no sistema de funções cada pessoa irá executar o que sabe fazer, sem tirar o espaço de ninguém.

Evidentemente, uma empresa que aproveite a capacidade das pessoas leva uma vantagem competitiva enorme sobre outra que limite o aproveitamento do potencial.

Por outro lado, quando se suprimem os cargos, se possibilita que cada pessoa receba o salário a que tem direito pelas condições de mercado, minimizando a insatisfação gerada pelos salários relativos.

Uma outra vantagem adicional é que, inexistindo cargos, desaparecem as condições para qualquer postulação de equivalência salarial. As empresas convencionais geram, elas mesmas, as condições predisponentes para esse tipo de demanda trabalhista, algo que não ocorre quando se trabalha executando multifunções, inexistindo parâmetros de comparação.

Texto adaptado do livro A Empresa Imortal, de Carlos Reinaldo Mendes Ribeiro, Segunda edição da Ed. Vozes (esgotada).